UMA MÁSCARA DE DUAS ETNIAS? (Artigo)

Resumo:
O presente trabalho consiste em realizar uma análise das características estéticas e etnográficas da máscara classificada como Punu-Baulé que compõe o acervo da Cafua das Mercês/MA. Busca firmar a origem desta obra como sendo, somente, da Etnia Punu, revelando as características da produção estilísticas das duas etnias em paralelo com a obra. Apresenta-se também a reflexão sobre as formas de exposição e de conservação inapropriadas para estes artefatos e obras históricas que compõem este museu.
Palavras-chave: máscara Punu, origem etnográfica, Cafua das Mercês. 

1. Introdução
Este artigo apresenta busca recriar o ambiente característico e de origem da máscara oriunda das etnias Puno ou Baulé, que compõe o acervo museográfico da Cafua das Mercês, sendo assim classificada erroneamente ou, ingenuamente com uma origem duvidosa, destas duas etnias, com características artísticas e geográficas distintas. Ressaltando-se ainda a falta de esmero e tratamento adequado para com este acervo, que representa não somente um recorte histórico do Maranhão, mas um símbolo de resistência do povo africano escravizado no período de colonização. Realiza-se um análise das características formais e de estilo na produção de máscaras ritualísticas de ambas etnias, traçado um comparativo estilístico.
2. Descrição formal da Máscara
Por motivos de conservação e fundamentados no senso comum, não foi possível realizar um registro fotográfico do acervo, com ou sem flash, mesmo para fins acadêmicos. Segue abaixo um esboço e uma descrição realizados durante a visita:

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Fig. 1 – Esboço a mão da obra analisada*

Descrição: uma máscara feita uma peça única de madeira sem emendas, rachaduras e colagens; Tem o rosto pintado de branco, com marcas de desgaste do tempo;   Os lábios possuem uma pigmentação avermelhada. Próximo às duas fontes, orelhas, podemos encontrar quatro marcas quadradas em relevo, disposta em linha na vertical com a coloração vermelho sangue, outra marca similar pode ser observada em formato losango na parte central da testa, esta, com  nove relevos, possuindo também a mesma tonalidade de vermelho; As sobrancelhas, pretas, tem formato de meia lua com as duas pontas unidas da parte central do rosto, formando arqueado como um “m”; Os olhos são bem fechados, com um leve traço para os olhos e são ovalados  em   relevo;  As  orelhas  são  arredondadas  e  em relevo; O nariz  inicia-se pouco acima da altura dos olhos, sendo talhado de forma bem precisa e linear nos orifícios para respiração; O cabelo, marrom madeira, possui um formato de penteado bem peculiar com duas tranças laterais um pouco acima das orelhas e uma parte central bem acima da testa, todas em relevo e unidas por uma espécie de amarra lisa, que pode também ser observada na parte central e superior em formato pontiagudo para baixo; Observando frontalmente a máscara é ovalada com leves desvios na altura da boca para o queixo e na parte superior onde se divide o penteado; Lateralmente pode-se observar em destaque, a altura do cabelo, a testa avantajada e bem côncava, o nariz grande e os lábios bem carnudos; Pode-se observar ainda na parte lateral anterior ao formato do rosto e saltando para traz, deixando o queixo em evidência,  uma estrutura, marrom diferenciando-se do branco o rosto, com quatro furos de cada lado, provavelmente para serem amarradas outras partes da máscara, ou esta à cabeça.
3. Breve análise comparativa da Máscara Punu-Baulé
Tomando como ponto de partida artigo apresentado por Claudio Zeiner em seu site, onde apresenta as principais características da máscara Punu, podemos destacar o seguinte trecho:
“Suas máscaras representam os espíritos ancestrais e são encontradas no Gabão central. O rosto branco simboliza a alma do ancestral. Os belos penteados são característicos entre as mulheres Punu. Em alguns casos as escarificações aparecem bem marcadas. Atualmente mascaras desse tipo são usadas durante as celebrações e festivais. Raramente usadas em alguma função ritual. Os dançarinos usam para personificar os espíritos ancestrais masculinos e femininos. Suas principais características são os rostos femininos, os penteados com duas tranças muito usado pelas mulheres Punu, o nariz pontudo, sobrancelhas arqueadas e a boca fechada”. (www.claudio-zeiger.blogspot.com.br/2011/10/mascaras-punu-gabao)
Dialogando essas com a descrição da máscara analisada com as características propostas por esse pesquisador, podemos destacar como pontos convergentes a cor branca do rosto, o penteado característico das mulheres Punu e a aparições de escarificações bem marcadas. Outro autor num artigo sobre etnias africanas cita como uma das principais características das mascaras Punu a presença de escarificação frontal ou temporal, com formato losango de nove pontos (www.axeafrica.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=69&Itemid=82), presentes também na obra da Cafua.
Segundo o próprio Zeiner, em seu site pessoal, descreve sobre as características das mascaras Baulé destaca três tipos de produção dessa etnia, uma em especial correlaciona-se com a máscara Punu-Baulé presente na Cafua, pelos seus traços estilísticos, tais como: “rosto com feições realísticas ligeiramente arredondadas, queixo pontudo, nariz em forma de T, olhos semicirculares, escarificações proeminentes típicas da tribo Baulé e um penteado elaborado”. (www.claudio-zeiger.blogspot.com.br/2011/10/mascaras-mblo-tribo-baule-da-costa-do.html). Como podemos observar nesta descrição o rosto, o queixo, os olhos são também presentes na obra da Cafua. Então o que poderia diferenciar uma obra Baulé de uma Punu? Como dizer claramente que uma obra advinda da época da escravidão no Maranhão é de uma etnia ou de outra, já que diversas etnias foram escravizadas e aglomeradas umas com as outras? Dentre variadas etnias africanas escravizadas e trazidas para o Brasil, como dizer que uma ou outra veio para um lugar ou outro precisamente?
Alguns pontos são cruciais para uma análise mais precisa podendo destacar o local das escarificações e seus formatos, a forma dos penteados e os olhos fechados estas, sendo marcas muito características da produção Punu. Propondo uma analise visual a partir de fotos de máscaras das duas etnias sendo dispostas no lado esquerdo uma de origem Punu e outra Baulé, como segue:

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 Fig. 2 – Máscara Puno  Fonte: Alacase.net 

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Fig. 3 – Máscara Baulé Fonte: fournisseur-art-africain.com
Como podemos observar as duas máscara possuem escarificações laterais e na testa, mas distintas, possuem também um rosto arredondado e na cor branca, cabelos bem trabalhados e sobrancelhas arqueadas. No entanto, as escarificações do rosto abaixo dos olhos na horizontal da figura 2, máscara Baulé, são característicos desta etnia predominando estes traços dentro de suas produções, assim como a produção de escarificações na testa com cortes verticais. Como podemos observar nestas duas outras máscaras da etnia Baulé:

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 Fig. 4 – Máscara Punu Fonte: pinterest.com              

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Fig. 5 – Máscara Punu Fonte: artesaniadeafrica.com
Embora, a maioria das pessoas classifiquem a arte africana como uma “mão comum”, existem grades distintivas entre as diversas formas estilísticas de produção de máscaras, nestas, nota-se que os traços peculiares e exaustivamente explorado pelos artistas, ou criadores de máscaras, da etnia Punu, aproximam-se mais claramente das características observáveis na máscara analisada.  Outro elemento aparente na criação desta etnia é a forma côncava das mascaras observáveis na lateral, mais especificamente nas regiões da testa e da parte superior do cabelo, em oposição às mascaras Baulé. Ao pesquisar sobre as mascaras Punu, predominantemente encontraremos obras que possuem em sua composição formas ligeiramente associativas à máscara Punu-Baulé. Segue outros dois exemplos de produção Punu, que indiscutivelmente se aproximam nas formas de composição e elementos estilísticos presentes na obra da Cafua, onde podemos observar, “A escarificação frontal ou temporal, em forma de um losango de nove pontos, representa sua cosmogonia e evoca a noção de perfeição e sabedoria”. (www.axeafrica.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=69&Itemid=82)

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Fig. 4 – Máscara Baulé          

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Fig. 5 – Máscara Baulé  

Raul Lody em um de seus textos discorre que “a máscara é distintiva de classe,  de categoria profissional, de papel social, de demarcação de territórios de homens e mulheres, da criança e do adolescente e muitos outros”,  segundo esse pensamento podemos destacar que mesmo que a proximidade geográfica entre estas etnias, uma ou outra, não abriria mão de suas características formais, pois a produção de máscaras vai além de um objeto, tem conexão com seres espirituais ou representam estes.  Ainda dentro desta perspectiva pode-se pontuar a distancia geográfica dentre as duas etnias, uma da Costa do Marfim, os Baulé e a outra do Gabão, os Punu. Para agravar esse ponto de vista temo o seguinte dado antropológico:
“O Gabão tem cerca de cinquenta grupos étnicos. Se o Fangs representam um terço da população do Gabão, outros grupos étnicos dificilmente contam como algumas centenas de indivíduos. Culturalmente, alguns são forçados a fundir-se gradualmente em massa e perder a sua língua e suas peculiaridades”. (http://fournisseur-art-africain.com/pt/40-punu)

Com isso, de que forma a etnia Punu influenciaria os Baulé a ponto de modificar as características formais e as culturais a ponto de incluir novas formas de escarificações corporais, que também seriam representadas nas suas máscaras? Poderia um “artista” Punu sair de sua região geográfica, migraria para os Baulé e se instalaria como “fazedor de mascaras”, sem que ninguém se incomodasse com a semelhança estilísticas dos Punu? Seria possível uma escassez tão grande de artistas Baulé a ponto destes, atravessarem seis países só para sequestrarem os artistas Punu para que estes fossem seus criadores de máscaras, mesmo sem entender a profundidade cultural e identitária de sua etnia? Será que a produção Baulé da região da savana e a dos Punu da floresta, tem as mesmas características independente deste contexto?
4. Considerações finais
Segundo as referências apresentadas e a analise obtida durante este estudo, podemos afirmar que a máscara classificada como Punu-Baulé, que se encontra exposta no acervo museológico da Cafua das Mercês/MA, não poderia ser senão da etnia Punu, por seus traços peculiares de cabelo, escarificações característicos e cores utilizadas. Por outro lado, vale ressaltar com isso, a má organização do acervo, onde diversas objetos expostos, não  estão etiquetados, ou com etiquetas confusas que não contém épocas de aquisição ou de produção, tamanho, materiais e acima de tudo a falta de pesquisa diante de questões tão importantes como a classificação etnográfica correta das obras. Devemos entender o continente Africano como diz Munanga, não por uma unidade mas por “sua complexa realidade social, a África é composta por sociedades que tem cada uma sua individualidade cultural.” (MUNANGA, 2007)
Portanto, seria necessário além de uma reorganização do acervo, a contratação de pesquisadores de arte-africana e colonial, historiadores e museólogos para uma análise mais precisa das obras, artefatos e objetos, buscando tirar dúvidas acerca de suas verdadeiras origens étnicas e geográficas, épocas, para dessa forma, obter uma melhor apresentação e fruição do próprio acervo ao público deste museu, sendo o mesmo, tão importante para a construção histórica e artística do estado.

Referências

LODY, Raul. O negro no museu brasileiro: construindo identidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

MUNANGA, Kabengele. O que é africanidade. Vozes da África – Biblioteca Entre Livros. Editora Duetto, edição especial n.6, 2007.

D’áfrica, Máscara Punu – Disponível em: Acesso em 28/01/2014

Máscara Panu – Gabão – Disponível em:
Acesso em 28/01/2014

Máscara Panu – Gabão – Disponível em:
Acessado em 29/01/2014

Máscaras da Etnia Panu – Disponível em:
Acesso em 28/01/2014

Etnias Africanas – Disponível em:
Acesso em 29/01/2014

Máscaras Mblo – tribo Baulé da Costa do Marfim – Disponível em:
Acesso em 30/01/2014

Baulé – Disponível em: Acesso em 28/01/2014

De onde vieram os escravos – Disponível em:   Acesso em 30/01/2014

*Esboço realizado pelo autor do artigo durante visita guiada à Cafua das Mercês.

Graduando em Educação Artística pela UFMA.
E-mail: layobulhao@yahoo.com

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